Foi uma queda alucinante. A vertigem do momento anterior, minha eterna lembrança, quase orgasmática! Lá embaixo era tudo escuro, um abismo que parecia infinito. Continuei caindo e caindo, não queria mais parar. Por que pararia?
Em dias de tristeza sem lágrima eu ia visitar sapos nas grutas, eles traduziam tudo com seu coaxar. Minha voz não expressaria com tanta clareza aquela espera. Eles ali, saindo para atrair suas fêmeas, expostos aos morcegos. Eu ficava ali até nenhum ruído mais ouvir, até o mundo deles acabar e morcegos felizes irem mais profundamente para a gruta.
As gargalhadas iam desaparecendo aos poucos. Ao longe se tornam melancólicas. Sei que esta não é uma história triste nem alegre, mas certas imagens cravadas na lembrança têm cor e sabor de fruta doce, recém colhida do pé. Não flutuaria se eu soubesse, ou melhor, se meu corpo me permitisse, pois tenho pesos incríveis.
Os sonhos estão mortos e tenho sono. Essas escadas corridas todas para cima não chegam ao céu, então para que pressa? No caminho das pedras enxergo as latas, os alumínios, a tecnologia. Meu frio na barriga me salva da petrificação, mas não me coroa rei de mim mesmo. Avisto ao longe no reino vizinho, bobos gritando de dor, desesperados.
Não brinco com palavras, apenas não as sinto, elas não existem. Quero estar em contato com a realidade, mesmo que seja um mundo de gás ou de espírito. Minha linguagem é meu choro, minha lágrima, meu sangue. Isso, sangue! Palavra esta que não queria que fosse palavra não. Queria derramá-la toda em quem me olha, em quem vive neste mundo, para retirar sua condição de palavra e devolver sua condição de sangue.
Se escrevo com discursos que não são meus, mesmo esta negação, mesmo esta afirmação, como retornar à totalidade? É um desejo necessário? Quem sabe iluminação? Figueiras? Não sei. Deixa-me olhar para o outro lado. É vazio. Sinto falta da vertigem. Odeio meu costume. Essas dores que senti nessa vida toda não permitem que eu sinta mais tanta dor. E no fundo queremos dor, queremos a dor do afeto, queremos o infinito!
Pobre de mim que uso tal pessoa do plural, nem eu sou primeiro. Eu sou tantos e sou nada. Mas quero tudo! Agora mesmo! Já! Mergulho no aquário e me calo. Não quero ir para nenhum lugar. Vejo peixes se debatendo em desertos quentes. Dizem que não dá para fugir. Vamos. Não. Vou. Ir. Não. Ok. Este mundo de pedra branca e linda. Enfeites saborosos, não tanto quanto o sangue e os sapos da gruta. Sim, às vezes retomo significantes de minha quebra esquizofrênica. Lembro do que escrevo, a seqüência é sua, não minha, mas lembro do que está atrás, do que vem antes. E desconfio que não tenha nada de anterior no que vem antes.
O templo de luxo está ali. Estacione. Mas não mate ninguém. Essas moedas somos nós. Elas são tão circulares, que tem uma posição, uma certa posição, que o dedo a faz rolar e a inércia a faz continuar. Expiramos e inspiramos. Inspiração veloz e feroz. Devoramos o mundo, mordemos nosso braço, novamente o sangue, não óleo. Não estrelas. Desenhos animados com estrelas rolando na cabeça.
Em versos não escreveria tal história, mesmo que não seja propriamente uma história o que escrevo. Isso tudo já está escrito, basta sentar e esperar até o último suspiro que enxergará a fotografia de sua vida. Ou nossa vida? Isso deveria doer, mas sei da anestesia. Abro a janela e respiro fundo. Tenho sistema respiratório, tenho meu ser profundo, tenho idéias. Isso é sedução, é cerveja, mulher e machismo. Deveria doer, mas só corrói. Quem se importa?
Minha linha é reta, é aguda e sólida. Não faz sentido para mim. As linhas traduzem o escondido, o reprimido, o feio nosso. Maquiagens. O mamute inventou minha civilização. Minha. Só minha porque só eu existo! Quem negará? Só se for outro eu. Sou tão espelho! Não quero começar, quero encerrar sem náuseas nem flores. Não quero comícios, já disse que não quero palavras. Quero o não querer e o querer ao mesmo tempo. Não esta confusão indizível, inogarnizável.
Esqueço meus desejos e giro. Giro de braços abertos e olho para a TV. Nem vejo direito o que acabo de perder para sempre. Fica uma mancha no meu olhar e a persigo. Ela está comigo ou é um sinal místico? Quem veio até aqui comigo viu uma mancha. Quem não viu morreu. Ou melhor, está nas voltas e voltas circulares deste mundo esférico. Isso nem cabe neste alfabeto, nem nesta língua. Onde está meu universal e minha natureza? Essas paranóias de labirintos sem saída. Cegos gritando para o próprio infinito umbilical. Eu experimento as palavras e a seqüência, mas sem pretensões teóricas. Lançando meu olhar para além das teorias, enxergo tudo da mesma cor. Você escolhe a cor. A mancha sumiu, mas nunca some.
Já sei bem o que escolher para fazer o que já sei que vou fazer. O interessante. O espetacular! Cadê o novo, então? Cadê a revolução? Onde está nosso triunfo prometido? Pergunto para quem? Smith e a mão invisível? Não enxergo, mas sinto! Arde minha pele sensível, não é ferro! Esta locomotiva, deixo com os invisíveis.
Viu o que acaba de passar e me distrair? Um amor! Lindo amor! Não foi um hambúrguer, mas eles me deram cebolas para cortar e fizeram minha casa ser assim, quase uma lua.
E a ré? Não dá para voltar, não? Tradições, reações, convenções. Pelo retrovisor dá para ver certa chama acessa. Não sinto tanto frio. E para frente? É só ir direto, direto, direto, que você acha o caminho. Não tem erro não. Certezas comoventes, emocionantes, irritantes.
Minhas costas cheias de asas começam a coçar, e não quero ser o que esta época é. Ela não “é”. Eu quero “ser”. Nem sinais de trânsito vivem sorrindo com o humano. E os humanos não sabem das coisas. Sabem das palavras. Este total é uma sedução. Quem dera! Porém te puxo pela camisa com força, ousadia e chatice, rasgando um pedaço dela, só pra te fazer parar, estacionar. Tanto faz os caminhos? E se os fedidos pegarem pedra? Os limpos vão arremessar nucleares por ai?
Imagino minha mão crescendo, crescendo, crescendo, empurrando todo mundo ladeira abaixo, sem esmagar, com delicadeza e ódio. Não é barulho de alarme! Sei que nem de humano é, mas é bruto. Não natural das nuvens para a terra. Natural do soco para o rosto. Pensar e moldar melhores pensamentos, evoluir, e fazer cócegas, escorregar na escorregadeira, antes e depois do verbo dizer e escrever sinônimos, eternamente.
Quanta luz! Nem enxergo! Quanta escuridão! Nem enxergo. Nem giro, nem sou mais. Existir? Esses heróis têm cuidados e rotinas. Tem felicidades. As farmácias andam bem. Seus pés nem calos têm. Esta fome é ilusória, mas come. Tem poder e pode me retorcer, arrancar meu óleo lubrificante e tirar parafusos, mudar meu chip e conspirar meu programa.
Ir em direção a morte é irrelevante. Dama bonita, formosa, fútil, esta caveira bela! Sinto inibição ácida. Corro para o hospital dos doentes improduzidos, improdizíveis. Sou eles. Dou as costas para meu corpo que não sou mais eu, nem nunca fui. Caminho com os lábios cheios de sangue, nem triste, nem contente. Dissipo-me. Não vou fugir. Não me engano dizendo o que é caminhar. Não é qualquer caminho, seu gato. Sei onde estou indo, estou cego, tonto e morto, mas sei.
Despeço-me sem olhar para trás, nem ligeiro nem devagar, na verdade nem estou indo, na verdade nem Estou. Sorrateiro te falei em dialeto só nosso. Não guarde esse segredo, não guarde esta ânsia, nem vomite no pé. Fiz uma inutilidade, construí uma realidade. Mexi com os sentidos, mas tudo continua ai em pé e firme. Sedução, aparência. Não falo, mas também não me calo. Não é simples esperança, nem música ambiente. É silêncio. Nem é omissão. Nomeie tudo o que quiser, mas não guarde este meu silêncio. Ele não é só dos anjos. Ele olha para mim e não me diz tudo o que digo sem palavras, mas com sangue, infelizmente sem dor, e também sem euforia. Veias ou fios? Não é mais uma questão em pauta. É nada nas palavras. Portanto esta arma feroz do silêncio é meu tudo! Fora desta experiência estética que compartilhamos como uma noite intensa de sexo selvagem será o que importa, será o dentro, mas não um dentro fechado, e sim um dentro misturado no fora, um longe misturado no perto. Profundamente situado nas bases reais da vida produzida secamente.
No mais, essências e perfumes livres, valores não destruirão silêncios e inexistências, mas o contrário é o que profetiza o meu silêncio, quase absurdamente clamando pelo absurdo e pelo real. Com certa hipocrisia, mas de que importa o enunciador? De que importa o receptor? Nossa sintonia é bem maior, nosso ser é um grito no infinito, no longe, no dentro...