segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Sobrevida



Foi naquele choro sentido, tremendo de corpo e alma, de rosto voltado praquele céu imenso, que fui acertado em cheio por uma certeza também imensa, que invadia tudo de mim. Foi ali que encarei de frente, pela primeira vez, uma das muitas faces da tal solidão inevitável: a da dor imensurável de ver alguns bons amigos partirem para nunca mais.

Existe nisso uma descoberta muito maior do que a morte. Nisso adquiri-se, por tabela, a percepção da morte dos sentimentos em vida, da instabilidade dos laços, das forças intensas que se transformam ou se acabam do nada. Fica, diante dos olhos, o desgaste de tudo. O deslizar teimoso, o escapulir por entre os dedos...

Mas um coração assim não se torna necessariamente amargurado. Ele se umidifica feito orvalho em folhas, ele deseja florir de dentro pra fora, ele quer que ondas de primavera nunca parem de avançar. Nunca...

Ele deseja cansado que todo o desespero o abandone. Ele quer desesperadamente ser abandonado pela morte. Mesmo que isso só aconteça enquanto gruda-se de lábios inteiros em beijos com a vida. Mesmo que isso também morra de vez em quando. Mesmo que isso se enquadre em toda a melancolia adquirida. Mesmo que isso não signifique nada. Mesmo que isso não faça nenhum sentido...

É que todo coração precisa dessa insistência em viver, ainda que transpassado, encolhido, dilacerado. Ainda que de olhos bem fechados, a suspirar como quem respira em mato selvagem... Todo coração precisa de vida pra encarar um mundo que só morre, um mundo que só escorre...

Todo coração precisa se erguer, se reerguer, ter sangue quente de animal, diante do frio daquela verdade imensa, que ventos trouxeram, e nunca pararam de trazer. Ventos que insistem em balançar as plantas ao redor e em tocar esse rosto para sempre distraído, essa alma para sempre enfeitiçada, esse juízo para sempre repartido, provocando esses arrepios desmedidos, que não deixam de colocar a gente pra sonhar teimosamente, até com mais força que a vida...

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