Eles não passaram. Estão escondidos no tom de nossas vozes e
nas palavras que não escolhemos. Estão atrás do nosso olhar distraído e no
nosso jeito de caminhar. Estão todos lá. Os das masmorras, os das espadas, os
escandalosos, os sádicos. Como gritos surdos do tempo. Eles não passaram. Estão
aqui conosco. Passando por nós, por debaixo da terra, camuflados em nossos
pensamentos, enquanto sentimos qualquer coisa sem explicação.
Os tagarelas entram em sintonia com eles, por onde
transbordam. Os silenciosos entram em harmonia com eles, onde fazem morada.
Cada ato que não realizamos guarda um pouco deles, é o seu alimento, é do que é
feita a sua dimensão. E cada ato por nós realizado é uma constatação disso:
Enquanto levantamos a mão para uma saudação, eles levantam
para se segurarem à beira de algum precipício. Cada qual necessitando do gesto
um do outro sem perceber. Cada qual em sua intocada aflição. Tão displicentes,
às vezes, até fazemos as mesmas coisas...
Só que eles estão em pleno vôo e nós não alcançamos. Nós
estamos em plena corrida e eles não nos tocam nunca. Simplesmente nos cercam
como poeiras invisíveis, poeiras de seus rastros. Uma poeira que não assenta e
que não se enxerga. Pois estão absorvidas as suas névoas e as suas rasuras, e
eles não passaram. Eles já estão no futuro.
É que a vida abriga a morte como uma ferida irradiando um
cheiro tão misterioso quanto vivo. E a história tem um hálito tão quente, que
dá para senti-lo no simples movimento de atravessar para o outro lado da rua...
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